“Há somente um corpo e um só Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação;
Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo;
um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.”
— Efésios 4:4–6 

“Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo.
Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo…
E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.”
— 1 Coríntios 12:12–13 

“Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo topo toque nos céus, e façamo-nos um nome…”
— Gênesis 11:4 

 

Inicialmente, quero te pedir uma coisa: este texto nasce de perguntas, não espere encontrar respostas prontas aqui.
São perguntas que me acompanham desde a meninice, e que, mesmo com o passar dos anos, continuam me incomodando – talvez até mais agora.
Talvez você também tenha essas perguntas, mas nunca teve coragem de falar sobre elas.
Se for assim, então tenha certeza de que estamos em comunhão nesse desconforto. 

Por que, se somos uma só Igreja, temos tantos ministérios?
Por que, se a Bíblia é uma só, existem tantas doutrinas, dogmas e “verdades absolutas” que se contradizem?
Pode uma só cabeça ter vários corpos?
Cristo é indivisível, mas por que o tratamos como se fosse um produto, com versões e edições diferentes? 

Na leitura da Bíblia, principalmente nos versículos que abrem este texto, encontro afirmações claras sobre unidade, exclusividade, singularidade:
um só Corpo, um só Senhor, um só Espírito, um só Deus. 

Mas, quando olho para a realidade atual, vejo um cenário totalmente fragmentado:
Ministérios que se apresentam como bandeiras, denominações que viraram fortalezas, igrejas que mais parecem lojas de conveniência espiritual.
O Corpo parece ter se tornado um quebra-cabeça com mil peças, e cada grupo segura um fragmento dizendo: “aqui está o Cristo completo”. 

Chego a três hipóteses que me incomodam profundamente: 

 

  1. Cristo está despedaçado.

Se hoje a igreja não é uma só, o corpo de Cristo segue fragmentado, e continuará assim até que todas se tornem uma só.
Como cristãos, estamos causando uma dor imensa a Cristo ao repartir o corpo dEle ao invés de compartilhá-lo. 

O corpo está desfragmentado, desfigurado, partido em pedaços, onde cada igreja tem só um pedaço dEle. 

A igreja plural, mas não reconciliada, não representa um corpo com muitos membros,
mas talvez vários corpos que se achem cabeças? 

Nessa lógica, Cristo não é compartilhado;
Ele é repartido, desfigurado, fraturado,
transformado num mosaico quebrado de teologias e dogmas. 

 

  1. Cristo foi multiplicado em série.

Talvez o Cristo bíblico tenha sido substituído por “Cristos de fábrica”: 

Várias versões, vários nichos, várias franquias.
Uma linha de produção com selo humano, onde se esculpe o Cristo que se deseja —
não feitos no Céu, nem despachados do Inferno, mas manufaturados por nós. 

Um Cristo sob encomenda, ajustado conforme a demanda de quem consome e a conveniência de quem comercializa.
Moldados por interesses, vaidades, ideologias. Ajustado às causas do dia e ao ego de cada púlpito. 

Cristos em série: personalizados, pasteurizados, comercializáveis. 

 

  1. Cristo, uma cabeça com muitos corpos?

Será que isso é possível? Será que é bíblico?
Ou é só uma distorção bizarra, um monstro com múltiplos corpos tentando se mover sob uma só mente que não reconhece suas próprias partes? 

Isso é unidade, ou uma mutação grotesca do Corpo de Cristo? 

 

Parece-me que a Babel voltou.
Só que agora ela fala em línguas que não se entendem e carrega Bíblias.
A diferença é que não tentamos mais alcançar o céu com uma torre,
mas com ministérios que constroem reputação em vez de comunhão. 

E no meio disso tudo, o nome de Jesus virou rótulo. Franquia. 

O “McCristo” virou sucesso de público:
edição limitada, com brindes de prosperidade no culto de domingo,
slogans de autoajuda no louvor,
e um combo personalizável de promessas, curas e revelações —
tudo sob medida para o apetite do freguês. 

Um Cristo embalado, rotulado, distribuído em massa.
Fácil de consumir, difícil de carregar. 

 

E talvez ainda haja caminho de volta — se houver corações dispostos.
E não é sobre uniformizar doutrinas, mas sobre rasgar os altares do ego
e nos render, de uma vez por todas, à suficiência de Cristo. 

Não é sobre conciliação institucional, mas sobre rendição espiritual.
É hora de parar de ajustar Jesus às nossas causas e começar a ajustar nossas vidas à causa d’Ele. 

Um retorno, não à religião, mas ao Rei.
Um só Corpo. Um só Senhor.
Sem versões. Sem marketing. Sem edições especiais. 

Só Ele. 

 

Mas será que ainda somos capazes de aceitar que Só Ele é tudo? 

Será que o Cristo das Escrituras ainda nos basta,
ou já substituímos Sua suficiência pelas nossas conveniências? 

É a base essencial que deixou de ser suficiente —
ou fomos nós que nos afastamos dela? 

 

E talvez a pergunta mais incômoda de todas: 

Se não estamos firmados nessa base… onde exatamente estamos? 

 

Não haverá avivamento com o Corpo despedaçado.
Não haverá cura sem unidade. 

 

Mas lembre-se: este texto nasce do desconforto desde o começo. 

E talvez ele mesmo, se distorcido, se torne parte do problema —
mais uma peça cuidadosamente montada nesse quebra-cabeça de discursos
que proclamam unidade, mas que, no fundo, podem apenas repetir a fragmentação. 

 

Aqui estamos, dois corações inquietos,
tentando falar de uma verdade que não cabe em embalagens, nem em frases feitas. 

Não te enganei, disse para não esperar que esta palavra fosse um produto acabado,
uma receita pronta para consumo espiritual. 

Que ela seja, antes, um convite incômodo e doloroso
um espelho que refletirá, no silêncio depois da leitura,
as fissuras que escondemos sob nossas doutrinas, nossos rótulos, nossas certezas. 

 

Pois é a comunhão com o incômodo que quero partilhar com você:
não a de dominar o discurso, mas a de deixar a Palavra nos dominar. 

 

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